Depressão Pós-Parto: dar voz às mulheres além da maternidade
O período da gravidez assim como o pós-parto, continuam ainda a ser amplamente fantasiados como um período de prosperidade e de grande felicidade. E talvez seja assim em muitas famílias e para muitas mulheres, mas sabemos no âmbito clínico que não o é para todas.
A grande prevalência e o efeito transgeracional da depressão pós-parto, fazem com esta psicopatologia constitua um problema de saúde mental que merece a nossa atenção. A depressão pós-parto é uma patologia multifatorial, cuja etiologia exata não foi ainda estabelecida. Sabemos que a gestação e o puerpério são períodos na vida da mulher que envolvem inúmeras e significativas alterações físicas, hormonais, psíquicas e relacionais (no âmbito sociofamiliar) mas muitas vezes ignoramos as suas potenciais repercussões na saúde mental das mesmas e que se podem prolongar no tempo.
Os dados referentes à incidência e prevalência desta psicopatologia em Portugal continuam a ser escassos e pouco claros. Estima-se que relativamente à prevalência, a depressão pós-parto atinja cerca de 10-20% das mulheres (Cox et al. 1996; O’Hara et al. 1996; Steiner 1998). Pensa-se igualmente que este distúrbio é três vezes mais comum nos países em desenvolvimento em comparação com os países desenvolvidos (Cooper et al. 1999). Normalmente surge durante o primeiro ano após o nascimento, salientando-se uma maior incidência entre o 6º e o 8º mês após o parto.
Estima-se que relativamente à prevalência, a depressão pós-parto atinja cerca de 10-20% das mulheres
Relativamente às causas e etiologia, Beck numa meta análise identificou 13 fatores de risco. Nos dez fatores de risco, que possuem um efeito moderado incluem-se:
- depressão pré-natal;
- baixa autoestima;
- stresse associado aos cuidados da criança;
- ansiedade pré-natal;
- stresse diário;
- baixo suporte social;
- má qualidade da relação conjugal;
- história prévia de depressão;
- o comportamento problemático da criança;
- “postpartum blues”.
Os outros 3 fatores são o facto de a mãe ser solteira, o baixo nível sócio-económico e a gravidez não planeada, possuindo um menor efeito na depressão pós-parto (Beck 2001).
Outros fatores de risco como a má relação conjugal, o divórcio e a poligamia, bem como a monoparentalidade (Warner et al. 1996; O’Hara and Swain et al. 1996; Ghubash and Abou-Saleh et al. 1997), assim como o baixo peso à nascença do bebé (Bergant et al. 1999), intercorrências neonatais, malformações congénitas (Ghubash and Abou-Saleh et al. 1997), e ausência de amamentação (Warner et al. 1996) são apontados também por outros estudos.
É importante que se diga que devido ao estigma e sobretudo ao peso “de ser uma boa mãe”, “uma mulher forte” ou “se as outras conseguiram eu também consigo”, infelizmente a procura de ajuda vem atrasada, ou um diagnóstico preciso deixa de ser realizado devido à má interpretação da sintomatologia.
Aliás, não é pouco comum a grávida deixar de existir no seu papel de mulher, para existir apenas no seu papel de mãe. Todas as atenções, todas as preocupações se voltam apenas para o bebé. E esta negligência que acontece muitas vezes de uma forma disfarçada, parte muitas vezes da própria comunidade médica e terapêutica (mas também da família e dos amigos) ou não é por acaso que cada vez mais se fale em violência obstétrica.
A depressão pós-parto existe! Ela é uma perturbação depressiva séria, identificável, tratável e provavelmente uma complicação comum decorrente do parto para qualquer mulher.
A grande maioria dos estudos identifica 3 perturbações de ajustamento pós-parto: a “tristeza pós-parto” referida como “postpartum blues”, a depressão pós-parto (a qual nos debruçamos neste artigo) e por fim, a psicose pós-parto (Kauppi et al. 2008).
Resumidamente e porque o esclarecimento de informação é nosso objetivo e um dever: o “postpartum blues” ou “tristeza pós-parto” resume-se a uma forma mais moderada de depressão com sintomatologia transitória e que normalmente se resolve espontaneamente sem qualquer tratamento, durante os primeiros dez dias após o nascimento (Rychnovsky and Brady 2008), verificando-se em cerca de 39-85% das mulheres (O’Hara et al. 1990; Buist 2006). Já a psicose pós-parto representa a expressão mais severa destas 3 perturbações (Kendell et al. 1987; Munk-Olsen et al. 2006), sendo que as mulheres têm uma probabilidade 22 vezes mais elevada de experienciar um episódio psicótico ou maníaco inicial no primeiro mês pós-parto do que em qualquer outra altura da vida (Kendell et al. 1987; Munk-Olsen et al. 2006).
Já a depressão pós-parto constitui um episódio depressivo que vai de encontro com os critérios de diagnóstico estabelecidos para a depressão minor ou major, com início no período após o parto (Cox et al. 1993). Os sintomas são semelhantes aos de uma depressão e incluem: o humor irritável e/ou severamente deprimido com crises de choro fácil, alterações do sono (normalmente insónia), fadiga, ansiedade (que podem incluir ataques de pânico e psicossomatizações), falta de concentração e preocupação excessiva sobre o bem-estar do bebé e das habilidades de cuidar como mãe (Brockington 1996; Andrews-Fike 1999; Templeton et al. 2003; Buist 2006; Gjerdingen and Yawn 2007).
A intervenção e acompanhamento ao longo do tempo por uma equipa multidisciplinar que acompanhe a mulher é fundamental pois em cerca de 50% dos casos, a depressão pós-parto ainda se encontra presente além dos 6 meses após o parto podendo prolongar-se pelos 4 anos seguintes (Kumar and Robson 1984), evoluindo para uma perturbação depressiva crónica.
Ser mãe é talvez um dos papeis mais importantes da vida de uma mulher, mas não deixa de ser um papel. Na sua essência a mulher é um ser humano que precisa de tempo e espaço para a expressão do seu sofrimento, sobretudo numa fase tão desafiante.
A psicoterapia de apoio, cria oportunidades para esse espaço e para o alargamento da rede de suporte social da mulher dando-lhe ferramentas para lidar com as alterações físicas, psicológicas e sociofamiliares decorrentes da gravidez, assim como ressignificar o nascimento do bebé talvez como uma bela oportunidade para se fazer renascer a si mesma.
Referências Bibliográficas:
- Andrews-Fike C (1999) A Review of Postpartum Depression. Prim CareCompanion J Clin Phychiat 1:9-14
- Beck CT (2001) Predictors of Postpartum depression: an Update. Nurs Res 50:275-85
- Bergant AM, Heim K, Ulmer H, et al. (1999) Early Postnatal Depressive Mood: Association with Obstetric and Psychosocial Factors. Jounal of Psychosomatic Research. April 46(4):391-394
- Brockington I (1996) Motherhood and Mental Health. Oxford University Press, Oxford
- Buist A (2006) Perinatal Depression, Assessment and Management. Aust Fam Physician 35(9):670-673
- Cooper PJ, Tomlinson M, Swartz L et al. (1999) Postpartum Depression and the Mother-Infant Relationship in a South African Peri-Urban Settlement. British Journal of Psychiatry 175:554-558
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- Cox JL, Murray D, Chapman G (1993) A Controlled Study of the Onset, Duration and Prevalence of Postnatal Depression. Br J Psychiatry 163:27-31
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- Kauppi Anne, Kumpulainen Kirsti, Vanamo Tuija, et al. (2008) Maternal Depression and Filicide – Case Study of Ten Mothers. Womens Ment Health 11:201-206
- Kendell RE, Chalmers JC, Plazt C (1987) Epidemiology of Puerpal Phychosis. Br J Psychiatry 150:662-673
- Kumar R, Robson KM (1984) A Prospective Study of Emotional Disorders in Childbearing Women. Br J Psychiatry 144:35-47
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- O’Hara MW, Zekoski EM, Philips LH, et al. (1990) Controlled Prospective Study of Postpartum Mood Disorders: Comparison of Childbearing and Nonchildbearing Women. J Abnorm Psycology 99:3-15
- Rychnovsky Jacqueline, Brady Margaret (2008) Choosing a Postpartum Depression Screening Instrument for your Pediatric Practice. J Pediatric Health Care 22:64-67
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- Warner R, Appleby L, Whitton A, et al. (1996) Demographic and Obstetric Risk Factors for Postnatal Psychiatric Morbidity. British Journal of Psychiatry 168:607-611