Revolução de ser livre e a liberdade de ser
Os meus pacientes reconhecerão estas palavras de boas-vindas que habitualmente dirijo numa primeira consulta: “Este é um espaço onde pretendo que se sinta seguro(a), protegido(a) e livre. Livre para se expressar sem quaisquer condicionamentos”. Acredito que possibilitar aos pacientes a experiência de serem livres na sua essência e expressão das suas vivências mesmo dentro de um consultório de quatro paredes, é algo que os irá preparar e estimular para também serem mais livres nas suas vidas.
Deparo-me constantemente com este facto: as pessoas livres são mais saudáveis (quer do ponto de vista psicológico como físico).
A liberdade é por ventura um dos elementos terapêuticos mais poderosos, e por isso mesmo os pacientes que vêm à consulta por sua escolha e iniciativa, os que se sentem livres para mudar, são os que mudam com mais eficiência para se tornarem ainda mais livres e consequentemente mais felizes.
A liberdade é por ventura um dos elementos terapêuticos mais poderosos…
Às portas da comemoração dos 50 anos do 25 de Abril de 1974, importa refletir sobre o caminho de liberdade que temos percorrido: um caminho enquanto nação, enquanto cidadãos, e enquanto indivíduos. O mesmo é válido para quem procura ajuda terapêutica: qual o caminho que tenho percorrido para alcançar a minha liberdade de ser?
Se a liberdade é o elemento terapêutico mais poderoso, também é verdade que um dos grandes poderes da terapia é precisamente libertar. E liberdade não é um algo que se encontre, mas uma conquista.
Uma das premissas da terapia seja num contexto público ou privado, de ambulatório ou internamento é a busca da autonomia para os pacientes, e autonomia também é liberdade. Todos carregamos mochilas, onde cabem valores, aprendizagens que ora são auxiliares e guias para as nossas jornadas (ora por vezes descobrimos que apenas serviam para fazer peso e obrigar os pés a arrastar).
Cabe-nos a nós sermos soldados da revolução, pois da mesma forma que restringimos a nossa liberdade (seja num plano mais consciente ou inconscientemente) também temos o poder de escolher mudar.
E é verdade que, ou nem sempre, estamos capazes de compreender os limites reais da nossa liberdade enquanto indivíduos ou simplesmente nos são impostas prisões imaginárias. Somos revolucionários, mas também não deixamos de ser seres de hábitos. É lamentavelmente comum e frequente a ouvir esta espécie de fuga para “Sim, mas não posso”, ou “tenho que”. E o conforto do hábito acaba por nos trazer uma espécie de alienação emocional, assim como uma ponderação distorcida sobre as verdadeiras responsabilidades que temos nas nossas escolhas e os estados em que nos encontramos.
Somos revolucionários, mas também não deixamos de ser seres de hábitos.
O “sim, mas não posso” e o “tenho que” veem atrelados a crenças limitantes que se enredam na angústia, na culpa, na ansiedade (no sofrimento de forma generalizada).
Acreditamos que não temos liberdade de escolha, acreditamos que não podemos ter tudo, que não podemos ser mais felizes. Mas às vezes, ou quase sempre temos essas possibilidades, mesmo com consequências. É inevitável. Com a liberdade e responsabilidade da escolha existe uma espécie de sofrimento e desconforto neste poder.
Sempre achei que a poesia da terapia reside particularmente em dois momentos: o momento em que o paciente faz a tomada de consciência que o sofrimento, a doença limitante, os problemas que o trazem à consulta também são (em grande parte das situações) resultado de escolhas; e o momento em o paciente consciente agora da sua liberdade de escolher começa a assumir a responsabilidade sobre si mesmo e a direcionar essa responsabilidade para resultados mais positivos e agradáveis para si.
E na liberdade que se quer no contexto terapêutico tudo é valido: a escolha de não ter que escolher nada, ou a escolha de manter padrões antigos, ou a escolha de fazer o que inicialmente tínhamos pensado e recuar. Mas o facto de ser uma escolha, a consciência de que há outras possibilidades (com outras consequências) é um ato de aprendizagem, pródigo em benefícios e uma fonte de apaziguamento de culpas invasivas e ansiedades debilitantes.
Substituamos o “tenho que fazer”, ou “tenho que ser”, por “o que posso fazer? O que posso ser? O que quero fazer? Como quero viver? O que poderá acontecer? E aceito o depois?”
Ser livre é querer fazer algo e não querer fazer nada, é querer ser alguém e querer ser ninguém. Liberdade é a grosso modo assumir as rédeas da própria vida, dentro daquilo que faz sentido controlar: quem somos.
“Quis saber quem sou, o que faço aqui (…)” (eis a questão?). É assim o início da música “E depois do Adeus” de Paulo de Carvalho, que precisamente no dia 25 de Abril de 1974 foi a primeira senha para a revolução, e que lança o repto de um desejo implícito de liberdade intrinsecamente associado à identidade e ao SER. Deixemos que esta mensagem ecoe em todos nós.